29 junho, 2006

A VIDA DE FAMÍLIA

a vida de família tornou-se bem difícil
com as contas a pagar os filhos a fazer
ou a evitar a ranhoca a limpar

a vida de família não tem razão de ser
não tem ração de quer

era vida de família jangada da medusa
é o tablado da antropofagia

mas ficam os retratos cristo virgem maria
e os sobreviventes, que vão chupando os dentes
Alexandre O’Neill

(in «Poesias Completas», Assírio e Alvim)

Fico assim sem você

Abdullah / Cacá Moraes

(Adriana Calcanhoto)
Avião sem asa,
fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola,
Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você
Por que é que tem que ser assim
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes vão poder falar por mim
Amor sem beijinho
Buchecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço,
Namoro sem abraço
Sou eu assim sem você
Tô louco pra te ver chegar
Tô louco pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço
Retomar o pedaço
Que falta no meu coração
Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas
Pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo
Por quê? Por quê?
Neném sem chupeta
Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada
Queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você
Por que é que tem que ser assim
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes vão poder falar por mim
Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo

Por quê?

Ao vento


Al viento le hablo
E al tiempo le cuento
Que nada digo
E nada hablo
Solo suspiro
Solo pienso
Que si hablo
Nada digo
Y si digo
Nada hablo


28 junho, 2006

Borboleta

Os dentes cerrados encarceram
as palavras que não te direi.
Eu sou a caixa que fechaste
o grito que calaste e tudo o
que em mim tocaste emudeceu.

de:
Sarah Adamopoulos

Poesia

Poesia-cão

Com que então, coração,
poesia-aflição!
Antes poesia-cão
que é melhor posição.

Já que não és capaz
dos efes e dos erres
dessa soletre mão
que é a que preferes,

meu tolo desidério,
talvez seja mais sério
não te tomares a sério:
reduz-te ao impropério.

de

Alexandre O'Neill
Poesias Completas

14 junho, 2006

Palavras

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes


Alexandre O'Neill